O CUME É OPCIONAL, A VOLTA É OBRIGATÓRIA.
Para quem nunca foi, é quase impossível explicar a atração que escalar uma montanha exerce. A gente passa frio, cansaço, dor de cabeça, falta de ar, náuseas, dorme mal, emagrece, carrega peso, fica mais de uma semana sem tomar banho, come gororoba, o nariz encraquela, os lábios racham…
Mas o interessante é que o conjunto todo é bom. É gostoso. É prazeroso. É do caralho!
Talvez o problema seja eu. Já tive outros amores bandidos assim. Amei um jipe Willys CJ 6 cilindros que vazava óleo em vários pontos, fazia 4 km/litro de gasolina, o breque mal funcionava, não passava de 70 km/h, quando chovia enchia de água, desconfortável, barulhento. Ficamos juntos por 19 anos. Atravessamos três casamentos.
Seja lá por qual motivo, resolvi escalar o Cerro del Plata, o pico mais alto do Cordón del Plata, bem acessível a partir de Mendoza.
Éramos 7: Gabriel, Celso, Marcos, Rodolfo, Max (guia da expedição), Edu (guia assistente) e eu. Exceto pelo Max, conheci o grupo apenas em Mendoza, na véspera do início da expedição.
Saímos de Mendoza numa Van para dormir em um refúgio de montanha a 2.950 metros de altitude, no início da trilha que levava ao cume. A partir de então, em um pouco mais de uma semana fomos nos deslocando e montando acampamentos cada vez mais altos. Durante este tempo de aclimatação, o grupo foi se conhecendo, amadurecendo, estabelecendo laços de amizade e solidariedade fundamentais para o sucesso no ambiente hostil da montanha. Até que no nono dia, estávamos em La Hoyada, 4.800 metros de altitude, último acampamento, esperando as primeiras horas da madrugada para partir para o cume. O grupo estava forte e ansioso. A noite que antecede o ataque ao cume é sempre complicada. A altitude elevada, a ansiedade, a expectativa conspiram por uma noite em claro.
Às quatro da manhã deixamos as barracas para trás para ganhar mais e mais altitude. O início foi duro. Andávamos calados. Somente o vento quebrava o silêncio. O céu estava estrelado, mas era lua nova, tudo muito escuro. As luzes das lanternas mal iluminavam a trilha na neve. Mas o cenário mudou dramaticamente quando o sol nasceu. Picos nevados surgiram em toda a volta, inclusive a face sul e tenebrosa do Aconcágua. Conseguia ver lá longe, inundado de nuvens, o vale por onde passamos subindo nos últimos dias. Os picos das montanhas em volta furando essas nuvens. Eu acima das nuvens.
Subimos, subimos, subimos, cansamos, continuamos subindo, subindo, subindo… até que por volta das 13 horas, primeiro um, depois outro, e outro, e mais outro, e enfim todos estávamos lá, com os pés plantados no cume do Cerro Plata, a 5.943 metros acima do nível do mar, vislumbrando os incríveis picos nevados do Cordón del Plata à nossa volta.
Sentei ao lado de uma cruz espetada no cume e entrei num estado de contemplação atemporal. Não sentia mais a cabeça doendo, a boca ressecada, o coração disparado, a fadiga. Parece que assistia um filme confuso, os primeiros acampamentos da expedição, as trilhas na altitude, o sol nascendo e se pondo a cada dia, as risadas, a amizade construída no gelo e no perrengue, o vento, a ventania, o vendaval. Não sei quanto tempo isso durou. Um minuto, uma hora, um dia. Até que alguém me puxou pelo braço gritando “bora descê, porra!”
Foi o que fiz. O cume é opcional. A volta é obrigatória.
Que super!! Com essa descrição parece até prazeroso mesmo!!! Eba do cume!!
Ricardo.
Bela descrição das emoções vividas e experiências adquiridas em apenas alguns dias…
Realmente o cume torna-se opcional… por isso, meu amigo; iremos tentar outro cume no ano que vem! Por que? Por pura e simples opção de faze-lo. kkkkkkkk
Ate o Mercedario ou Ojos de Salado.
Com certeza, Celso, estaremos tentando…
Boas e sinceras palavras aos olhos dos montanhistas. Grande Abraço, muitos cumes em 2015.
Moço, vc poderia me mandar um email para que eu possa lhe perguntar algumas coisas. Por favor!.
Muito obrigada.
😊
Escreva para ricacordeiro@gmail.com