DENALI, A MAIS ALTA
No início do século 18, um capitão dinamarquês de nome Vitus Bering navegou a serviço da Rússia por um tormentoso braço de mar na região ártica. Fazia muito frio e neblina. Ele não conseguia enxergar exatamente por onde ia. Achava que ali havia apenas algumas ilhotas e, à parte sua tripulação, mais ninguém. Tempos mais tarde, cartógrafos europeus decretaram que esta foi a primeira incursão humana àquelas latitudes e passaram a nomear tudo por ali em homenagem ao navegante. Assim nasceram na cartografia ocidental a Ilha, o Mar e o Estreito de Bering.
Bering e os cartógrafos da época não sabiam que muitos milênios atrás, homens e mulheres passaram por ali a pé vindos do oeste. E não fosse pela pressa, o frio e a neblina intensa, poderia ter explorado um pouco melhor a região. Se atracasse sua embarcação e explorasse a porção continental que estava “descobrindo”, poderia ter encontrado assentamentos dos povos Athabaskan, Haida, Tingit, Tsimshian, Inuit, Aleuta e alguns outros que há séculos viviam na região.
Hoje essa porção de terra a leste do Estreito de Bering é o maior dos estados norte-americanos. Foi comprada da Rússia por uma verdadeira pechincha há 150 anos. A opinião pública americana considerou essa compra – 1,5 milhão de km2 de terra gelada, muito pouco habitada e com comércio incipiente – um negócio extravagante e irresponsável. Décadas depois, a prospecção de ouro, de petróleo e o interesse estratégico em colocar tropas, aviões e radares no quintal da União Soviética mudou o cenário por completo. Atualmente vivem mais de um milhão de pessoas no Alasca e seu PIB anual é 400 vezes maior que o valor pago por sua compra. (Aliás, os russos reclamam que a compra não foi quitada até hoje.)
As diversas etnias indígenas que lá habitam não se consideram russas nem americanas. Apenas sonham em voltar a viver como sempre viveram e poder cultuar suas montanhas como seus ancestrais. A mais alta e formosa delas foi batizada Bolshaya Gora pelos russos. Após comprarem o Alasca, americanos passaram a chama-la Mount McKinley, em homenagem a um de seus presidentes assassinados. Apenas há dois anos Barak Obama sancionou a lei que conferiu à montanha o retorno ao nome pelo qual seus ancestrais a chamaram por milênios: Denali, que na língua athabasca significa a mais alta. De fato, seu cume fica 6.190 metros acima do nível do mar, o que lhe confere o posto de mais alta montanha da América do Norte. Os Athabaskan sabiam das coisas.
Ao redor dela existe o Denali National Park: mais de 2 milhões de hectares de floresta boreal, tundra e montanhas nevadas. O vento é forte e gelado o ano todo. A temperatura varia entre 20 e – 50 oC. A vegetação é pouco diversificada, basicamente musgos, liquens, poucos arbustos e coníferas. Afinal, não é qualquer planta que aguenta um ambiente tão inóspito. A fauna é composta também só por quem aguenta o tranco, como ursos, renas, lobos, raposas, linces, e algumas aves.
Rita e eu deixamos o Jaboti no campground perto da entrada principal e partimos para uma caminhada parque adentro, para melhor poder avistar o Denali. Nas mochilas uma camada extra de roupa, barraca, saco de dormir, lanterna, fogareiro, gás e algo para comer. (Ok, confesso que tínhamos também um gps e um telefone satelital.)
É difícil descrever como me sentia andando pelo parque, quase arrastado pelo vento forte e gelado, cercado por picos nevados por todos os lados, e a vastidão insondável da tundra com seus tons marrom e laranja…
Manadas de elks uivavam e se acasalavam sem pudor à nossa frente. A uma distância embaraçosa e desconfortável, um urso pardo nos observou por toda uma tarde. Voltamos quatro dias mais tarde, quando a comida acabou. Montamos no Jaboti e seguimos viagem.
Que super!
Até da vontade de ir passar um frio no Alasca!