PERU

Não adiantou chegar cedo à fronteira Arica (Chile) / Concordia (Peru). O expediente  só abria às 8 horas. A passagem consumiu exatas duas horas e trinta e cinco minutos. Do lado chileno foram apenas dois carimbos. Mas, do lado peruano ganhamos oito carimbadas diferentes em nossos papéis. Tivemos que tratar com agentes da aduana, do exército, da agricultura, da saúde, do trânsito, etc. O que mais demorou foi retirar todas as caixas da caçamba e passá-las por um escâner que ficava em um prédio longe do estacionamento. Depois, nos fizeram abrir as mochilas para revista. O laptop teve que ser declarado em formulário próprio. O driver externo foi declarado em outro formulário. A caixa de peças de reposição da ONÇA causou o maior dos embaraços nesse embaraçado processo. Os guardas não sabiam o que fazer com aquilo. Não sabiam se abriam mais um formulário ou se confiscavam a caixa toda alegando que era contrabando de peças para revenda no país. Depois de várias consultas entre si, deixaram quieto. A caixa entrou sem formulário e sem carimbo!

Arequipa

Vencida a batalha da fronteira, seguimos para Arequipa, 400 quilômetros rumo noroeste. Logo notamos que estávamos em outro país. O povo tem traço  mais andino, menos “europeu” em relação ao Chile. Também parecem ser mais comunicativos, falantes, coloridos, barulhentos. As cidades são mais desorganizadas do que as de mesmo porte por onde passamos na Argentina e no Chile, com barraquinhas de comércio miúdo espalhadas por todos os cantos. Mas talvez o que mais chame a atenção de quem entra de carro no Peru vindo do sul seja o trânsito.

Passamos vários dias no Peru, rodando por estradas, trilhas, e pequenas, médias e grandes cidades. Dirigir aqui é uma experiência de tirar o fôlego. Nas cidades, as ruas são tomadas por multidões de pequenos taxis, mototaxis e lotações apinhadas de gente rodando em todas as direções e buzinando alucinadamente sem motivo aparente. Parece que a única comunicação existente entre motoristas e os demais seres do planeta se dá por meio das buzinas. Sem nenhuma sinalização prévia, carros cruzam da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, invertem o sentido do trajeto e buzinam, buzinam, buzinam. A maioria dos cruzamentos não tem semáforos. E quando existem, a luz vermelha é apenas uma sugestão de parada. Os pedestres não têm vez, e as faixas de pedestres, ha ha ha… A noção de preferencial não existe. Nos cruzamentos negocia-se meio por telepatia quem entra e quem espera. É interessante que a gente acaba aprendendo esse jogo. No começo ficávamos paralisados, em pânico, diante de um cruzamento. Depois de alguns dias, fomos nos soltando, e, de repente, pronto, a gente entrava no meio da confusão caótica de carros, motos e microônibus e participava do jogo.

No primeiro dia, foi um estradão só até Arequipa. Chegamos no final da tarde. A cidade é alta (cerca de 2.400 metros acima do nível do mar), enorme e sem sinalização. Depois de Lima, é a maior do país, com um milhão de habitantes. É circundada por três impressionantes vulcões: Misti, Pichu Pichu e Chachani, avistados de todos os lugares. Entre a periferia e o centro histórico, um oceano de ruas, carros e gente. Andar pelo centro de Arequipa compensa qualquer dificuldade em chegar até ele. Aqui a cidade é branca, contruída com pedras vulcânicas claras, chamadas sillar. Os tons claros conferem um aspecto austero e elegante ao lugar.

A Plaza de las Armas é imponente, com sua majestosa catedral espanhola, prédios com arcos ao redor. Particularmente naquele dia havia uma festa de final de ano das escolas. Famílias enormes, cheias de crianças e idosos vestidos com roupas de festa, se espalhavam pelas calçadas ao redor da igreja, pelas escadarias dos prédios públicos e jardim da praça. Passamos horas sentados num banco de pedra, vendo o movimento, andando por ali, tirando fotos. No começo da noite, de um terraço donde se avistava as torres da catedral, comemos um maravilhoso e confiável ceviche.

O Mosteiro de Santa Catalina é experiência a parte, uma verdadeira cidade dentro da cidade, onde várias gerações de monjas católicas viveram em claustro por 370 anos. Silêncio é o que se lê na praça central do mosteiro, onde freiras em silêncio passavam o dia lendo o evangélio. As estórias dessas mulheres que viveram por séculos nesse lugar são impressionantes.

Cañon Del Colca

Esquadrinhamos Arequipa em alguns dias e partimos rumo noroeste. Cerca de 170 quilômetros adiante, entramos num dos mais profundos cânions do planeta, chamado Cañon Del Colca, que numa extensão de 100 quilômetros chega a atingir 3.400 metros de profundidade. O caminho é belíssimo. Rodeamos escarpas, atravessamos uma reserva ecológica cheia de guanacos e vicunhas ao redor de pequenos lagos chamados aguadas blancas. Subimos até 4.890 metros de altitude e rodamos uma hora acima dos 4.300, até iniciarmos a descida para Chivay, a vila maiorzinha da região, no fundo do vale, a 3.750 metros. Ao redor, pequenos vilarejos à beira deste vale, cujas encostas são recortadas por terraços construídos há 2.000 anos, pelos povos Cabanas e Collaguas, para armazenar grãos e coletar água.

menina no Cañon del Colca

Passaríamos uma eternidade neste vale, pastoreando llamas e alpacas, contemplando o vôo dos condores que saem dos picos nevados, vendo a lua nascer detrás das montanhas, convivendo com homens e mulheres que arrancam da terra sua sobrevivência. Mas a viagem tem que continuar e após alguns dias seguimos para o litoral. Pegamos novamente a Ruta Panamericana e continuamos subindo  margeando o Pacífico.

A descida para o litoral talvez tenha sido o trecho mais deslumbrante da viagem até aqui. Pista única. À esquerda um costão de pedras vulcânicas, escarpas altíssimas e praias desertas. À direita altas montanhas e vulcões extintos.  À frente o jeito peruano de dirigir, que torna tudo mais “emocionante”. Ultrapassam na faixa contínua, entram na estrada sem sinalizar, param na pista, e buzinam, buzinam, buzinam. Curiosamente, não há brigas nem animosidade no trânsito. Ninguém parece se incomodar com esses sobressaltos e riscos constantes.

Praia

Rodamos rumo norte vários dias, sempre tendo o Pacífico à nossa esquerda. O vento que vem do mar inunda a pista de areia. Há trechos onde o asfalto some. Durante o dia dirigíamos. Ao entardecer acampávamos nas praias desertas e de águas geladas do Peru. Muito espaço, privacidade e vista para o mar. Não há cinco estrelas que superem nossos acampamentos na areia. A rotina foi quebrada apenas quando cruzamos Lima. Só quem já tentou sair de São Paulo numa sexta-feira, fim de tarde, com chuva e véspera de feriado imagina o que é cruzar essa cidade de sul a norte.

Um dia e uma noite em Lima nos levaram por encanto e acaso a nos hospedar na casa de Victor Delfin, artista plástico peruano que vive num casarão belíssimo no alto da encosta, no bairro Barranca, onde aluga alguns quartos para viajantes. Do jardim, cheio de esculturas sedutoras, vê-se o Pacifico. Os cômodos e salões são repletos de quadros e esculturas vibrantes, coloridas, criadas por ele ao longo da vida.

 Saindo de Lima  voltamos à rotina dos acampamentos na praia. Sempre iguais e sempre diferentes. Por fim chegamos a Trujillo, cidade litorânea, a terceira maior do Peru. Esta cidade tem alguns tesouros arqueológicos. O mais deslumbrante é uma cidade de adobe, Chan-Chan, que aos poucos tem sido desenterrada desvelando a vida na época pré-incaica. São rendilhados de argila rodeando os lugares sagrados de um povo que vivia da pesca. Após alguns dias conhecendo a região de Trujillo, deixamos o país pela fronteira Zarumilla (Peru) / Huaquillas (Equador).

Arrozal ao longo da costa

Cruzamos o Peru de sul a norte. Da fronteira com o Chile à fronteira com o Equador, rodamos 3.099 km, em 47 horas de direção. Não foi muito tempo. Mas a experiência foi tão intensa que saímos com uma boa noção desse adorável país. Rodamos por montanhas altas e geladas, vales e canyons profundos, desertos enormes e mar, muito mar. E o povo, é ainda mais bonito que as paisagens. Faltou a amazônia peruana. Fica para a próxima. Como disse um peruano que se tornou nosso amigo, os olhos ficam pequenos em meio a tanta beleza.

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