O CRISTÃO TEM QUE ANDAR A PÉ

Comboio, Khumbu
Comboio, Khumbu

Cheguei a Jiri (1.835 metros acima do nível do mar) ao entardecer e logo comecei a andar por caminhos de terra estreitos e sinuosos em meio a uma floresta temperada densa. Subi a 2.400 metros para depois descer rumo a um vale de um rio caudaloso às margens do qual fica o povoado de Shivalaya, a casa de Shiva em nepali, onde passei a noite numa pequena hospedaria, com mesas coloridas no terraço à beira do rio.

em Shivalaya
em Shivalaya

A partir daí estabeleci uma rotina. Pelos próximos 7 dias acordava com a primeira luz da manhã, saía para uma caminhada de 8 a 10 horas até o próximo pouso, onde chegava exausto ao anoitecer. Nos primeiros dias me sentia muito cansado, mas o corpo foi se acostumando com o novo ritmo ao longo do tempo. Assim, fui passando pelos povoados de Bhandar, Kinja, Taktobuk, Jumbesi, Nunthala, Kharikola, Bupsa e finalmente cheguei à cidade de Lukla (2.850 metros de altitude), 90 km adiante de Jiri, onde parei por alguns dias.

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O caminho foi um sobe e desce sem fim. Não há nada plano no Khumbu. Atingia passos de 2.500, 3.000, 3.500 metros de altura para depois descer para vales entre 1.500 e 2.000 metros. E depois subia, subia, subia, para descer novamente…

Ao caminhar durante esses dias tive uma amostra da vida simples e aparentemente feliz dos nepaleses que vivem no Khumbu. Pequenas vilas, precedidas por rodas de oração e monumentos budistas, surgiam a cada dobrada do caminho, com casas brancas e janelas coloridas. Crianças brincando e correndo para lá e para cá me cumprimentavam sorridentes: namastê. Homens cuidavam dos animais e tocavam comboios de mulas e yaks carregados de itens do comércio local. Mulheres cuidavam da lavoura e das crianças pequenas.

no vale
em Jumbesi

O povo era de uma delicadeza e cordialidade impressionante. Tive oportunidade de me hospedar em casas de gente comum, comendo a comida do dia-a-dia, assistindo todo o cerimonial de preparo das refeições, participando da rotina familiar.

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Idosa

E como se não bastasse tudo isso, o cenário era espetacular. Andei por montanhas e vales de uma floresta temperada muito úmida, praticamente intocada. Cruzei bosques densos com árvores enormes. Atravessei incontáveis pontes sobre rios e riachos em fundos de vales que pareciam saídos de contos de fadas. Em muitos lugares, apenas o entorno das casas teve sua vegetação original derrubada para aproveitamento do solo com plantações de hortaliças, legumes, algumas frutas e criação de pequenos animais. Quase não há comércio de alimentos nessa região. As famílias preparam a terra ainda com arado puxado por animais e comem o que produzem.

pausa para o lanche
pausa para o lanche

A impressão que tive é que as pessoas vivem aqui como há um século. À parte a luz elétrica (fraca e intermitente), o telefone celular (que muitas vezes não tem sinal) e a televisão, nada mudou por aqui nas últimas décadas. As roupas, os costumes, as festas remetem a tradições seculares. As músicas que ouvia saindo das janelas das casas eram tradicionais nepalesas. Mesmo alguns programas de televisão mostravam músicas e danças locais.

lombar
lombar

Não há estradas no Khumbu. Todo o transporte, de mercadorias e de pessoas, é feito a pé. Existem jumentos e yaks para carga, mas são conduzidos por pessoas a pé. E como é bom andar a pé! O cristão tem que andar a pé! Quando cheguei a Lukla não cabia em mim de tanta felicidade. Certamente, foi uma das minhas mais gratificantes experiências de viagem. Muito bom andar a pé todos esses dias por essa região praticamente intocada pela globalização. E apesar de estar na Ásia, de frente para o Himalaya, lembrava o tempo todo de uma música que ouvia quando criança no sertão de Pernambuco, terra de meu pai. (clique para ouvir)

Automóvel lá nem se sabe

Se é home ou se é muié

Quem é rico anda em burrico

Quem é pobre, anda a pé

Mas o pobre vê na estrada

O orvaio beijando a flô

Vê de perto o galo campina

Que quando canta, muda de cor

Vai moiando os pés no riacho

Que água fresca, nosso Senhor

Vai oiando coisa a grané

Coisas que, pra mode ver

O cristão tem que andar a pé

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